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A Psicologia em Botucatu SP

AVANÇOS E DESAFIOS DA PSICOLOGIA EM BOTUCATU SP

Psicólogos e psicólogas buscam compreender pensamentos, comportamentos, angústias, rever conceitos, auxiliam na jornada da vida humana.


A pedra fundamental da Psicologia é a célebre frase inscrita no Templo do deus Apolo na Grécia, há mais de 400 anos antes de Cristo. "Conhece-te a ti mesmo". Curta e direta, aos poucos foi sendo conhecida e devagarzinho será alcançada. Não é sem propósito a frase estar no templo desse deus grego específico, Apolo, segundo os costumes da época, representava o sol e a luz da verdade. A frase também poderia ser: jogue luz sobre si mesmo, e encontre a verdade.

Não é fácil jogar luz sobre quem se é, não é fácil conhecer a si mesmo, assim como não é fácil conhecer o próprio rosto sem o auxílio de um reflexo. No caso da Psicologia, esse espelho é o outro, é nosso semelhante, nosso reflexo, que enxergamos através das relações humanas, das ações sociais que vão validando, afetando, estimulando, construindo quem somos e quem seremos.

O psicólogo e psicóloga são aqueles profissionais que, em grande parte, vão auxiliar nesse processo de reflexão, de conhecer a si mesmo, conhecer a forma como tem se relacionado com o mundo, com os colegas, família, consigo mesmo, na escola, no trabalho, no lazer, na saúde e na doença.

Ao longo do nosso desenvolvimento Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Rene Descartes, Freud, Skinner, Sartre, Foucault, e muitos outros filósofos, médicos, estudiosos e pacientes, auxiliaram na construção do que hoje é a Ciência e a Profissão de Psicólogo/a. Cada um que busca a Psicologia está também auxiliando seu desenvolvimento.

Em 1890 o estadista Benjamim Constant fez uma grande reforma na educação nacional e introduziu noções de psicologia nos currículos das Escolas Normais. Tal reforma atingiu diretamente Botucatu e plantou as primeiras sementes da Psicologia na cidade. Nomes muito conhecidos de nós lecionaram Psicologia aqui. Um deles foi o professor Martinho Nogueira que foi docente de psicologia e pedagogia lá no início dos anos 1900. Disciplina que também foi ministrada pelo professor José Pedretti Neto no Santa Marcelina nos anos 1960. Nesse período, mais precisamente em 27 de agosto de 1962, a profissão dos psicólogos foi regulamentada por lei. Era uma área em crescimento já praticada principalmente por médicos em manicômios, e na educação pelos professores. 

No princípio da Psicologia da cidade, o maior nome, sem dúvida foi Agostinho Minicucci, um professor que é fortemente associado ao desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Foi doutor em Educação e Livre-docente em Psicologia. Fez muitos trabalhos de consultoria e supervisão aos profissionais nas suas atividades no campo da Psicologia do Trabalho e Clínica. Publicou mais de 50 obras, entre livros e testes, com títulos obrigatórios para estudos de Psicologia de grupo.

A chegada da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu em 1963 proporcionou a vinda da psicóloga Ana Tereza Cerqueira, que lecionou e fez parte da equipe do hospital desde 1970. A presença dela proporcionou, nos anos seguintes, a criação do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria. Nessa época a pediatria da faculdade contou com a psicóloga Sonia Moraes, uma das raras psicólogas a atender em consultório particular na cidade. Também nesse período foi fundada a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais APAE de Botucatu, que contou com o trabalho da psicóloga Gimol Perosa.

Como se sabe, o ser humano é muito complexo, são necessários anos e anos de estudos para atender os mais variados casos, e como conta a psicóloga Neuci Galazzi, não havendo núcleo de estudos na cidade, mesmo depois de formado, era necessário continuar viajando semanalmente para cidades como São Paulo, Bauru, Campinas, Ribeirão Preto para trazer novos conhecimentos e ampliar aos poucos a assistência psicológica na cidade.

No início dos anos 80 a Faculdade de Medicina, já incorporada pela Unesp, contratou mais professores de Psicologia e criou o programa de aprimoramento destinado a profissionais da saúde não-médicos. Isso possibilitou que profissionais de diferentes cidades viessem estudar Psicologia aqui com todo rigor técnico e apoio pedagógico de uma grande universidade. Como conta a psicóloga Gisele Merlin, muitos formados no aprimoramento se apaixonaram pela cidade, ficaram e foram se inserindo aos poucos na assistência em Saúde Mental de Botucatu e região. A partir de então, os serviços de saúde da UNESP foram a base para um ambulatório referência na assistência em saúde mental de toda a região, com serviços de diagnóstico e tratamento desde os casos mais simples aos mais complexos. Porém, a assistência não conseguia suprir a necessidade da população, haviam muitas dificuldades em realizar encaminhamentos por não haver para onde encaminhar, não haviam profissionais, não haviam outros serviços de assistência, não havia equipe mínima de saúde mental nos então chamados postos de saúde da região e, quando raramente havia psicólogo, este atendia uma parcela específica de paciente, não realizando e não tendo capacitação para atendimento de crianças e adolescentes, por exemplo.

A partir dos anos 1990 houve um início de integração dos serviços de saúde do município com a UNESP, começando uma estruturação do serviço de Saúde Mental com estabelecimento de critérios para acompanhamentos e de procedimentos para diagnóstico e tratamento (triagem, caso novo, psicoterapia individual, grupos terapêuticos e de orientação em assistência social). Assim, juntamente com as secretarias municipais da Saúde, da Assistência e da Educação, houve um mapeamento das áreas de vulnerabilidade e risco. A integração foi avançando ao longo dos anos e iniciaram-se reuniões intersetoriais para discussão das necessidades da população relacionadas à assistência em Saúde Mental no município. Tais propostas foram discutidas e apresentadas aos gestores municipais que criaram dispositivos de saúde na rede básica de saúde os quais deveriam ser contemplados com equipe mínima de saúde mental.

A partir do ano 2000, foi criado oficialmente o SAMECA (ambulatório de saúde mental da criança e do adolescente) do Hospital das Clínicas FMB/ UNESP.

Anos mais tarde, foi criado o Fórum Intersetorial de Saúde Mental com objetivo de estudar e discutir à respeito das premissas das políticas públicas vigentes, zelar pelo seu cumprimento por parte dos gestores municipais, realizar levantamento das vicissitudes da população relacionadas à assistência em saúde mental  e, assim, colaborar com a elaboração de projetos na área bem como com a implantação e implementação relativa aos dispositivos para diagnóstico e tratamento, discussões sobre intervenções na área e sobre articulação e funcionamento dos dispositivos em rede integrada, visando a melhoria da qualidade dos serviços prestados e portando, a qualidade de vida da população auxiliando os indivíduos da região a ter capacidade de tomar decisões em relação à própria vida, se organizar interiormente e organizar o que está em volta. Por fim, foi oficializada a reunião intersetorial mensal com a rede básica de saúde municipal e com outros dispositivos, com o objetivo de discussão e reflexão à cerca de diagnóstico, conduta de intervenção e tratamento bem como encaminhamento de casos.

Em 2017, segundo o Conselho Regional de Psicologia, cerca de 300 profissionais relataram residência em Botucatu. A grande maioria são mulheres e estão distribuídas por diversas áreas de atuação e serviços nas esferas públicas e privadas como: UNESP, SARAD (Serviço de Atenção e Referência em Álcool e Drogas); Tribunal de Justiça, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial);  CRAS (Centro de Referência de Assistência Social); NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família); organizações sem fins lucrativos; indústrias; escolas; equipes esportivas; clínicas particulares; entre outros. Após um breve levantamento com os profissionais, pode-se identificar que, em grande parte, se sentem sobrecarregados, com carga de trabalho pesada, principalmente levando em conta que o trabalho envolve assuntos delicados e complexos de sofrimento humano. Relatam ainda que há uma demanda crescente e fila de espera, principalmente nos serviços públicos. Muitas vezes, pessoas com questões graves não são atendidas em suas necessidades, gerando dificuldades em seu cotidiano, tendo um rendimento ruim no trabalho, ônus para si e para toda a família. Por outro lado, muitas pessoas com problemáticas psicológicas simples, atendidas na Atenção Primária, acabam sem a devida atenção preventiva ou com práticas de promoção de saúde, por não ter psicólogos fixos na Unidade Básica de Saúde (UBS). Ainda nesse contexto, segundo relatos da equipe de saúde, existem consultas médicas em Pronto Socorro e chamadas de emergência do SAMU que são para pessoas com queixas psicológicas, de sofrimento emocional, sem qualquer possibilidade de intervenção medicamentosa. Além, de uma demanda reprimida de pessoas que, por não saber para onde recorrer, acabam por sofrer sozinhas. Assim, meses e anos se passam e os casos que eram relativamente simples podem se tornar graves, crônicos, às vezes irreversíveis, gerando maior custo ao Sistema de Saúde, com a necessidade de tratamentos intensivos, de exames, medicações de alto-custo, internações, etc. Quanto a isso talvez fosse importante um número maior de psicólogos nos serviços de saúde municipais, ou mesmo um serviço público de Plantão Psicológico para acolhimento das demandas urgentes, como em casos de tentativa de suicídio, por exemplo.

O índice anual de suicídio na cidade também é motivo de alerta, considerando 2014 e 2015, Botucatu teve 23 casos de suicídios, uma média de 11,5 por ano. A média no Brasil é de 6 a 7 casos para cada 100 mil pessoas. De acordo com o psiquiatra Dr. José Manoel Bertolote, uma das maiores autoridades mundiais no tema, a média aumentou após o ano de 2009. Até 2009 a média era de 6 a 7 casos anuais. Em 2010 ocorreu um pico de 22 casos, foi apontado em estudos, que grande parte tinha distúrbios mentais. Vale ressaltar que grande parte dos casos de suicídio no mundo são evitáveis com a assistência correta. Ao longo dos últimos anos, através de iniciativas de voluntários como a do Centro de Valorização da Vida (CVV), e da Rede de Proteção a Vida (RPV) as ocorrências em Botucatu vem diminuindo.

Há também o alerta vindo de mães e professores de escolas públicas e privadas, para uma demanda crescente de crianças e adolescentes com necessidades dos serviços de Psicologia, sobretudo por questões de aprendizagem, emocionais e comportamentais. Quanto a isso, destaca-se a realização em 2017 da Conferência da Saúde na cidade. Nessa ocasião participaram diversos núcleos da cidade, população, profissionais e gestores, e foram formuladas propostas de mudanças a nível estadual e municipal, uma delas sendo a criação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infantil, que traria um serviço especializado para crianças e adolescentes, diminuindo as filas do CAPS 1. 

Por fim, ressalta-se a importância da Psicologia organizacional e do trabalho, tão pouco valorizada no setor público. Em todos os lugares onde os psicólogos atendem os usuários há também uma demanda dos colegas de trabalho que pedem atendimento psicológico, individual ou em grupo, nos mais diversos setores. Corroborando com tal demanda, a ciência tem publicado frequentemente pesquisas que demonstram que colaboradores estressados, sobrecarregados, infelizes e desmotivado acarretam prejuízos em todos os setores produtivos da sociedade, desde o local onde trabalham, passando pelo desempenho escolar dos filhos, até na oneração dos serviços públicos.

Ao longo de cem anos, desde os primeiros traçados de giz na lousa de Martinho Nogueira, até os acalorados debates nas Conferências de Saúde Mental, psicólogos e psicólogas foram chamados e interviram nos processos subjetivos das estruturas injustas, foram chamados e ajudaram a encontrar caminhos para substituir hábitos violentos por hábitos mais racionais; foram chamados e contribuíram para a formação de uma identidade pessoal e coletiva mais autêntica, possibilitando um cidadão menos sofrido, com mais qualidade de vida, com mais desenvolvimento.

Autores:
Guilherme Costa Lopes
Charles José Roque
e psicólogos colaboradores.
2017

P.S.
Os psicólogos de Botucatu reafirmam o compromisso com as bandeiras defendidas pelo Conselho de Psicologia sendo sempre a favor do respeito e do tratamento humanizado, não considera a homossexualidade uma doença, e é contra o modelo manicomial.

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