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Resistências

A reação terapêutica negativa


Dize-me como resistes e dir-te-ei como és!

A CONCEPÇÃO
O conceito de resistência surgiu quando Freud discutiu as suas primeiras tentativas de fazer vir à tona as lembranças “esquecidas” de suas pacientes histéricas. Isso data de antes do desenvolvimento da técnica da associação livre, quando ele ainda empregava a hipnose, e a sua recomendação técnica era no sentido de insistência, por parte do psicanalista, como uma medida contrária à resistência, por parte do paciente. Este método de coerção associativa, empregado por Freud, incluía uma pressão de ordem física (mão na testa do paciente) que ele próprio procedia e recomendava, a fim de se conseguir a recordação e a verbalização dos conflitos passados.

Os conceitos de resistência e de censura estão intimamente relacionados: a censura é para os sonhos aquilo que a resistência é para a associação livre. Neste trabalho, em suas considerações sobre o esquecimento dos sonhos, Freud deixou postulado uma das regras da psicanálise: tudo o que interrompe o progresso do trabalho psicanalítico é uma resistência

FENÔMENO PERMANENTE 
Aos poucos, com a tática de ir da periferia em direção à profundidade, Freud foi entendendo que o reprimido, mais do que um corpo estranho, era algo como um infiltrado. Assim, ele começa a deixar claro que a resistência não era dirigida somente à recordação das lembranças penosas, mas também contra a percepção de impulsos inaceitáveis, de natureza sexual, que surgem distorcidos. Com isso, Freud conclui que o fenômeno resistencial não era algo que surgia de tempos em tempos na análise, mas, sim, que ele está permanentemente presente.

INIBIÇÃO, SINTOMA E ANGÚSTIA (1926)
A repressão não é um fato que ocorre uma vez, e exige um dispêndio permanente [de energia]. Se esse dispêndio viesse a cessar, o impulso reprimido, que está sendo alimentado todo o tempo a partir de suas fontes, na ocasião seguinte fluiria pelos canais dos quais havia sido expulso, e a repressão ou falharia em sua finalidade ou teria de ser repetida um número indefinido de vezes. Assim, é porque os instintos são contínuos em sua natureza que o ego tem de tornar segura sua ação defensiva por um dispêndio permanente [de energia]. Essa ação empreendida para proteger a repressão é observável no tratamento analítico como resistência. 

A resistência que tem de ser superada na análise provém do ego, que se apega a suas anticatexias. É difícil para o ego dirigir sua atenção para percepções e ideias que ele então estabeleceu como norma evitar, ou reconhecer como pertencendo a si próprio impulsos que são o oposto completo daqueles que ele conhece como seus próprios. 

Nossa luta contra a resistência na análise baseia-se nesse ponto de vista dos fatos. Se a resistência for ela mesma inconsciente, como tão amiúde acontece devido à sua ligação com o material reprimido, nós a tornamos consciente. Se for consciente, ou quando se tiver tornado consciente, apresentamos argumentos lógicos contra ela; prometemos ao ego recompensas e vantagens se ele abandonar sua resistência. Não pode haver nenhuma dúvida ou erro sobre a existência dessa resistência por parte do ego. Mas temos de perguntar a nós mesmos se ela abrange todo o estado de coisas na análise, pois verificamos que mesmo após o ego haver resolvido abandonar suas resistências ele ainda tem dificuldades em desfazer as repressões; e denominamos o período de ardoroso esforço que se segue, depois de sua louvável decisão, de fase de ‘elaboração’. O fator dinâmico que torna uma elaboração desse tipo necessária e abrangente não está longe para se procurar. Pode ser que depois de a resistência do ego ter sido removida, o poder da compulsão à repetição - a atração exercida pelos protótipos inconscientes sobre o processo instintual reprimido - ainda tenha de ser superado. Nada há a dizer contra descrever esse fator como a resistência do inconsciente. Não há qualquer necessidade de se ficar desestimulado por causa dessas correções. Devem ser bem escolhidas se acrescentarem algo ao nosso conhecimento, e não constituem vergonha alguma para nós, na medida em que antes enriquecem do que invalidam nossos pontos de vista anteriores - limitando algum enunciado, talvez, que era por demais geral ou ampliando alguma ideia que foi muito estreitamente formulada.

O analista tem de combater nada menos do que cinco espécies de resistência, que emanam de três direções - o ego, o id e o superego. O ego é a fonte de três, cada uma diferindo em sua natureza dinâmica.

1. A primeira dessas três resistências do ego é a resistência da repressão.

2. A seguir vem a resistência da transferência, que é da mesma natureza, mas que tem efeitos diferentes e muito mais claros na análise, visto que consegue estabelecer uma relação com a situação analítica ou com o próprio analista, reanimando assim uma repressão que deve somente ser relembrada.

3. A terceira resistência, embora também uma resistência do ego, é de natureza inteiramente diferente. Ela advém do ganho proveniente da doença e se baseia numa assimilação do sintoma no ego. Representa uma não disposição de renunciar a qualquer satisfação ou alívio que tenha sido obtido.

4. A quarta variedade, que decorre do id, é a resistência que, como acabamos de ver, necessita de ‘elaboração’.

5. A quinta, proveniente do superego e a última a ser descoberta, é também a mais obscura, embora nem sempre a menos poderosa. Parece originar-se do sentimento de culpa ou da necessidade de punição, opondo-se a todo movimento no sentido do êxito, inclusive, portanto, à recuperação do próprio paciente pela análise.


ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL (1937)
Freud introduz alguns novos postulados teórico-técnicos. Resistência provinda do ego contra o próprio ego: “[...] em certos casos, o ego considera a própria cura como um novo perigo”.
 “O inimigo não pode ser vencido se estiver ausente” – Freud, 1912

RESISTÊNCIAS NA PRÁTICA ANALÍTICA

Pode ser inconsciente ou consciente, mas sempre provém do ego, ainda que possa vir orquestrada pelas demais instâncias psíquicas. Ela pode se expressar por meio de emoções, atitudes, ideias, impulsos, fantasias, linguagem, somatizações ou ações. Ou seja, todos os aspectos da vida mental podem ter uma função de resistência; daí a sua extrema complexidade.

Clinicamente, elas aparecem numa variedade de maneiras: claras, ocultas ou sutis; simples ou complexas; pelo que está acontecendo e pelo que está deixando de acontecer. Além disso, cada indivíduo tem uma pletora de recursos resistenciais, os quais variam com os distintos momentos do processo analítico.

As resistências poderiam ser sistematizadas baseado em manifestações clínicas, tais como: faltas, atrasos, intelectualizações, exagero de silêncio ou falante demais - de segredos, sonolência, ataque às funções do ego em si próprio ou no analista (confundindo-o e dificultando-lhe a capacidade de perceber, sentir, pensar e discriminar), fuga para a extratransferência, dentre outros. A partir deste enfoque clínico, o importante é que, em um dos passos cruciais da análise, se possa transformar as resistências, de egossintônicas em egodistônicas, para que o paciente se alie ao terapeuta, no objetivo comum de analisá-las e superá-las.

Uma forma também muito simplificada de sistematizar as resistências é por meio do critério de suas finalidades. Assim, além daquelas descritas por Freud (1926 e 1937), vale acrescentar: resistência contra a regressão (medo da psicose); contra a renúncia às ilusões de uma eterna simbiose; contra o abandono do pensamento mágico (do vértice analítico, a magia consiste numa tentativa de controlar os poderes e as forças que operam na natureza), contra as mudanças verdadeiras (pavor de uma catástrofe, caso o paciente abandone as suas familiarizadas soluções adaptativas); contra a vergonha, culpa e humilhação do colapso narcisista; contra a elaboração da dor da posição depressiva; contra os temores persecutórios próprios da posição esquizoparanóide; contra os progressos analíticos 

Também deve ser incluída a resistência que se manifesta como um sadio movimento do paciente contra as possíveis inadequações do seu analista.

Uma outra tentativa de sistematização seria a de baseá-la no tipo, grau e função das defesas mobilizadas. Assim, as organizações defensivas podem se constituir em: inibições, sintomas, angústia, estereotipias, traços caracterológicos, falsa identidade, formas obstrutivas de comunicação e linguagem, actings excessivos, etc.

Pode-se classificar as resistências relacionando-as aos pontos de fixação patológicos que lhes deram origem. Assim, ter-se-ia, por exemplo, resistências de natureza narcisista, esquizoparanóide, maníaca, fóbica, obsessiva, histérica, etc. 

É útil considerar as resistências em relação às etapas evolutivas do desenvolvimento emocional primitivo. Dessas, a Narcisista é particularmente importante, por se constituir no crisol da formação da personalidade e da identidade. Assim, a maioria das pessoas que hoje procura análise apresenta importantes problemas caracterológicos, de baixa autoestima e de prejuízo do sentimento de identidade, derivados da permanência de um estado depressivo subjacente, muitas vezes resultante das primitivas feridas narcisistas.

Mais especificamente em relação à “resistência narcisista”, muitíssimo frequente em nossa prática clínica, conforme o grau e a qualidade patológica, ela tanto pode ser bem trabalhada e removida, quanto existe uma alta probabilidade de as defesas narcisistas terem se constituído uma poderosa armadura contra toda e qualquer possibilidade de dependência da análise, como contra qualquer mudança psíquica verdadeira.

Essa rígida armadura, com uma viseira que só permite uma visão limitada e unifocal do mundo que a cerca, é forjada com defesas narcisistas de natureza psicótica, como são a onipotência, a onisciência, a prepotência, a confusão entre o que é verdade e ilusão, maciça negação da dependência, etc.

Em relação ao setting, a resistência do paciente pode se manifestar por meio de distintas formas de transgredir as combinações feitas de comum acordo com o analista, desferindo ataques - que, na verdade, são defesas resistenciais - contra a necessária manutenção do setting.

Em relação à atividade interpretativa, cabe afirmar que a eficácia de toda interpretação do analista, além da importância do seu conteúdo, forma, oportunidade, finalidade e estilo de como ela é comunicada ao paciente, depende fundamentalmente do destino que toma na mente deste último. Isto nos remete a um problema muito sério relativo à resistência na prática analítica: o de que as interpretações do analista, apesar de estarem certas do ponto de vista de compreensão dos conflitos inconscientes, possam ser ineficazes.



REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia, 1925. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, v. 51, p. 1213, 1948.

ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica: uma re-visão. Artmed Editora, 2009.


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