Pular para o conteúdo principal

O Grupo da Onda

A Onda (título original: Die Welle) é um filme alemão de 2008.


Um professor fica responsável por lecionar aulas sobre autocracia para uma turma de ensino médio. Para conseguir a atenção e o interesse dos alunos, o professor propõe um experimento que explique na prática os mecanismos do fascismo e da ditadura. Porém, esse experimento vai além dos limites e acaba desencadeando consequências inesperadas.

Ilustra bem como a figura de um chefe autoritário e intimidador que impõe passividade e submissão a um grupo facilmente desencadeia os mecanismos da psicologia de massas.

O enredo do filme se inspira no experimento do professor Ron Jones, realizado numa escola californiana em 1967, visando explicar para seus alunos o surgimento e ascensão do nazismo. Surpreso com a força que o experimento havia tomado e temendo que ele fugisse inteiramente ao controle, Jones o encerrou depois de apenas cinco dias, o que dá uma ideia da rapidez com que ideias e comportamentos de massa podem se propagar.

A música “Rock 'n' Roll High School” dos Ramones, executada na abertura do filme, fala sobre a relação entre o rock, a alienação e a contestação.

Freud, em “Psicologia de grupo e a análise do ego” mostra como ocomportamento da massa se caracteriza pela dissolução da identidade de cada sujeito, ocorrida pela identificação horizontal realizada entre seus participantes e uma identificação vertical como líder, cuja figura é introjetada, ocupando o lugar do ideal do ego e do superego de cada um dos componentes da massa. A massa age como uma unidade viva, seguindo dócil o líder, vivenciado como uma figura paterna idealizada.

Contrapondo dois textos canônicos nos quais Freud estuda comportamentos de massa. Vemos que “Psicologia de grupo e análise do ego” representa o lado oposto da problemática mostrada em “Totem e Tabu”.

Em “Totem e Tabu”, está a revolta dos filhos contra o pai da horda primitiva, o desejo de independência e autonomia, a vontade de destruí-lo e tomar o seu poder para usufruir dos bens que lhe eram negados, especialmente o gozo das mulheres. Sabemos das grandes consequências provocadas pelo assassinato do pai, fato mítico que nos tirou da natureza e nos fez ingressar na cultura, com a introjeção da lei e  estabelecendo das regras que permitiram a constituição da sociedade humana.

Em “A psicologia de grupo e análise do ego”, Freud mostra o desejo oposto, o desejo de se submeter ao pai poderoso e implacável, a abdicação da liberdade e da autonomia, a escolha da servidão voluntária que garantiria sua proteção.

Nas incipientes multidões arregimentadas pelas redes não há a figura de um chefe, um líder, sobre quem é projetado o ideal do ego e o superego ou que seja visto como um pai poderoso ou uma mãe que seduz com um apelo fusional. As pessoas são convocadas em nome de um determinado ideário, ao qual consciente e voluntariamente aderem.

O conceito de flash, introduzido pela internet, se refere a essa possibilidade de convocar uma multidão para fins pontuais específicos, que vão desde brincadeiras inconsequentes até grandes manifestações políticas, como ocorreu nas “primaveras” árabes e aqui mesmo nas manifestações de junho de 2013.

Esse uso das redes sociais estabelece uma grande diferença entre a televisão e a internet. Enquanto a televisão tem um poder de controle mesmerizante, controlando o telespectador passivo, que se deixa comandar como um membro da massa guiada por um líder, internet convida à participação, à interação, à atividade – quer seja nas salas de bate-papo, nos comentários aos noticiários, nos inúmeros fóruns de debates e, o que é mais importante, na organização de grandes manifestações de rua.

Ao contrário da televisão, que organiza massas virtuais ocupando ela mesma o papel de líder a ser seguido, a internet age de forma diversa, proporcionando a formação desse tipo de agrupamento de características opostas à massa, desde que imbuídas de forte sentimento de autonomia e individualidade.

Uma multidão que se junta assim estaria mais consciente e lúcida, não se deixaria manobrar por oportunistas, como se constatou no repúdio aos grupos e partidos políticos que tentaram manipular as manifestações de junho de 2013 e mais recentemente, e que foram escorraçados. Mas também mostra uma fragilidade. Na medida em que não há uma centralização ou organização estável que a alimente, tende a se manifestar em ondas, abalos sísmicos, de problemática continuidade, como vimos acontecer no refluxo daquele movimento.

Dessa maneira, a internet poderia estar criando instrumentos inéditos para reforçar a democracia, possibilitando uma diferente forma de manifestação da vontade popular.

Fonte:
REFLETINDO SOBRE GRUPOS E MASSAS A PARTIR DO FILME “A ONDA” (DIE WELLE, 2008), DE DENIS GANSEL http://www.polbr.med.br/ano15/psi0915.phpSérgio Telles
psicanalista e escritor - acesso em: 11.02.2017

Postagens mais visitadas deste blog

História da Psicologia no Brasil - Mathilde Neder

Nascida em Piracicaba, São Paulo, Mathilde foi pioneira em Psicologia hospitalar, psicoterapia breve, psicoterapia familiar e psicossomática.