A questão do “método científico” tem constituído uma das principais preocupações dos filósofos, desde o século XVII.
Constitui crença generalizada que o conhecimento fornecido pela ciência se distingue dos outros por ter um alto grau de certeza, desfrutando assim de uma posição privilegiada com relação aos demais tipos de conhecimento (o do homem comum, por exemplo).
Essa atitude de veneração da ciência deve-se, em grande parte, ao extraordinário sucesso prático alcançado pela física, pela química e pela biologia, principalmente. Assume-se, implícita ou explicitamente, que por detrás desse sucesso existe um “método” especial, uma “receita” que, quando seguida, gera conhecimento certo, seguro.
De forma simplificada, podemos identificar nas múltiplas algumas pressuposições centrais:
- A ciência começa por observações.
- As observações são neutras.
- Indução. As leis científicas são extraídas do conjunto das observações por um processo supostamente seguro e objetivo, chamado indução, que consiste na obtenção de proposições gerais (como as leis científicas) a partir de proposições particulares (como os relatos observacionais).
No entanto, os filósofos John Locke e David Hume apontaram, nos séculos XVII e XVIII, que a justificação empírica da indução envolve dificuldades insuperáveis.
Essa constatação veio a exercer uma enorme influência na filosofia, estimulando, por um lado, a retomada de doutrinas racionalistas (Kant) e, por outro, a reformulação dos objetivos empiristas, com o reconhecimento de que o ideal original de certeza e infalibilidade do conhecimento geral do mundo exterior não pode ser atingido. Procurou-se, assim, determinar condições nas quais o salto indutivo seja feito da maneira mais segura possível. Entre as condições destaca-se:
- O número de observações de um dado fenômeno deve ser grande;
- Deve-se variar amplamente as condições em que o fenômeno se produz; e
- Não deve existir nenhuma contra evidência, observação que contrarie a lei.
Objeções incisivas à concepção comum de ciência, então vestida nas roupagens do positivismo lógico, foram levantadas já em 1934 pelo filósofo Karl Popper, que rejeita que as teorias científicas sejam construídas por um processo indutivo a partir de uma base empírica neutra, e propõe que elas têm um caráter completamente conjetural.
Teorias são criações livres da mente, destinadas a ajustar-se tão bem quanto possível ao conjunto de fenômenos de que tratam. Uma vez proposta, uma teoria deve ser rigorosamente testada por observações e experimentos. Se falhar, deve ser eliminada e substituída por outra capaz de passar nos testes em que a anterior falhou, bem como em todos aqueles nos quais tenha passado. Assim, a ciência avança por um processo de tentativa e erro, conjeturas e refutações. “Aprendemos com nossos erros”, enfatiza Popper.
Embora represente um avanço em relação à concepção comum de ciência, o falseacionismo, tal qual o descrevemos acima, de modo simplificado, tem várias limitações.
Do que vimos sobre as limitações das concepções indutivista e falseacionista de ciência, transparece que elas representam as teorias científicas e suas relações com a experiência de modo demasiadamente simples e fragmentário.
A investigação da natureza, criação e desenvolvimento das teorias científicas reais evidencia que devem ser consideradas como estruturas complexas e dinâmicas, que nascem e se elaboram gradativamente, em um processo de influenciação recíproca com a experiência, bem como com outras teorias. Essa visão da ciência é ainda apoiada por argumentos de ordem filosófica e metodológica.
O filósofo Imre Lakatos sistematizou de maneira interessante as características da ciência que vimos discutindo, introduzindo a noção de programa científico de pesquisa.
A concepção lakatosiana de ciência envolve um novo critério de demarcação entre ciência e não-ciência. Lembremos que o critério indutivista considerava científicas somente as teorias provadas empiricamente. Tal critério é, como vimos, forte demais: não haveria, segundo ele, nenhuma teoria genuinamente científica, pois todo conhecimento do mundo exterior é falível.
Também o critério falseacionista, segundo o qual só são científicas as teorias refutáveis, elimina demais: como nenhuma teoria pode ser rigorosamente falseada, nenhuma poderia classificar-se como científica.
O critério de demarcação proposto por Lakatos, por outro lado, adequadamente situa no campo científico algumas das teorias unanimemente tidas como científicas, como as grandes teorias da física. Esse critério funda-se em duas exigências principais: uma teoria deve, para ser científica, estar imersa em um programa de pesquisa, e este programa deve ser progressivo.
Tal abordagem implica um novo critério de demarcação entre ‘ciência madura’, que consiste de programas de pesquisa, e ‘ciência imatura’, que consiste de uma colcha de retalhos de tentativas e erros. A ciência madura consiste de programas de pesquisa nos quais são antecipados não apenas fatos novos, mas também novas teorias auxiliares; a ciência madura possui ‘poder heurístico’, em contraste com os processos banais de tentativa e erro.
Fonte: SILVIO SENO CHIBENI Departamento de Filosofia - IFCH - Unicamp
Texto Completo em: http://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/ciencia.pdf acesso em: 23.01.2017