Alunos no primeiro ano do curso de Psicologia, em duas universidades, uma particular e outra pública, falam sobre a escolha da psicologia como profissão, através de entrevistas e questionários. A interpretação dos depoimentos sugere um perfil do estudante de psicologia e mostra o impasse vocacional do campo, caracterizado pelo distanciamento entre a profissão e os problemas contemporâneos. (MAGALHAES, 2001)
Recortes
O atendimento clínico em consultório é o estereótipo de atuação profissional idealizado tanto pelos sujeitos que ingressam nos cursos de psicologia quanto pelos egressos em busca de colocação no mercado de trabalho. A preferência pela clínica é acompanhada por valores altruístas, sendo esta ajuda ao próximo realizada no contexto de uma relação direta, íntima e prolongada.
Estudos que investigaram a infância familiar de psicólogos, estes profissionais foram precoce e excessivamente responsabilizados quando crianças em suas famílias, assumindo o papel de cuidadores em relação a outros familiares. Isto é, foram crianças especialmente sensíveis às demandas afetivas interpessoais de seu ambiente familiar e tornaram-se vulneráveis à manipulação afetiva de adultos com necessidades narcisísticas intensas, notadamente seus pais.
Por outro lado, interpretou-se que as funções de psicoterapeuta proporcionariam a estes indivíduos encontrar pessoas que, na condição de pacientes, oferecessem a nutrição narcísica que lhes faltou, sob a forma de admiração pelas suas qualidades de sábio e salvador, sabendo-se que o psicoterapeuta é tipicamente visto como um modelo de saúde mental e estabilidade emocional
Resultados da pesquisa
Os motivos apresentados para a escolha da Psicologia como profissão foram: desejo de ajudar (75%), busca de crescimento pessoal (20%), fascínio pelo conhecimento psicológico (62,5%), e busca de competência interpessoal (22,5%). Esses motivos estavam entrelaçados. O desejo de ajudar foi expresso do seguinte modo: A oportunidade de poder ajudar as pessoas a conviverem melhor consigo mesmas e com a sociedade;
O feed-back dos clientes e/ou o sentimento de ter ajudado o seu paciente mostrou ser a gratificação mais valorizada (64,5%).
A preferência por atuação na área clínica foi hegemônica (75%). Em segundo plano, e associadas à clínica, surgiram as áreas hospitalar (30%) e organizacional (22,5%). Por outro lado, a área da psicologia organizacional ou do trabalho também foi freqüentemente rejeitada (27,5%). Em contraste, a área escolar foi considerada desinteressante (40%), e o trabalho com deficientes mentais foi rechaçado (10%).
A maioria dos sujeitos (70%) percebeu o mercado de trabalho como saturado e difícil. Por outro lado, alguns apresentaram uma atitude otimista e apostaram na competência e no esforço para vencer estas dificuldades (26%), em declarações como sempre terá lugar para o bom profissional. Outros referem não pensar no assunto por enquanto (25%). Os planos para o futuro limitaram-se a especificar áreas de preferência (abrir meu consultório; trabalhar numa empresa); embora alguns manifestaram o desejo de fazer uma especialização no exterior (10%).
Diante de questões sobre autoconceito e escolha profissional, os sujeitos declararam possuir dons especiais para ouvir, observar, compreender e aconselhar o ser humano (74,5%), revelados em seus relacionamentos de amizade e familiares (20%). Relataram ter assumido o papel de conselheiros e ouvintes em relação aos problemas de amigos, tendo recebido um feedback positivo.
No decorrer dos depoimentos os sujeitos atribuíram à ciência psicológica e ao psicólogo um conjunto de habilidades que podem ser sintetizados em uma capacidade de analisar e compreender os comportamentos humanos (ler a mente; analisar a ideia da pessoa e mostrar para ela o porquê), bem como intervir e produzir a cura de problemas psicológicos (72,5%). A psicologia foi descrita como fonte de recursos capazes de levar à cura.
A grande procura pelos cursos de psicologia é percebida como a busca de auto-ajuda pelos indivíduos. Salienta-se que esta necessidade não foi assumida pelos sujeitos da pesquisa, mas endereçada às pessoas de modo geral, em declarações como as pessoas acham que fazendo psicologia vão se encontrar, um grande número de pessoas vê no curso uma maneira de resolver seus próprios problemas. Os alunos da universidade pública destacaram a divulgação de psicólogos e temas psicológicos na mídia como fator de atração de candidatos ao curso.
Fonte:
MAGALHAES, Mauro et al . Eu quero ajudar as pessoas: a escolha vocacional da psicologia. Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 21, n. 2, p. 10-27, June 2001 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932001000200003&lng=en&nrm=iso>. access on 24 Jan. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932001000200003